Estar na casa dos 35 nos traz, além de problemas de saúde, um certo cinismo, uma visão desiludida sobre o mundo e principalmente sobre os outros. Ainda não vivemos o suficiente para ousar chamar isso de “sabedoria”, mas já vimos o bastante para nos acharmos mais espertos, sensatos e inteligentes do que as gerações mais novas (e não estamos errados). Mas, às vezes, a realidade nos obriga a mudar de opinião.
Mais para o início da pandemia era comum vermos, principalmente em redes sociais, pessoas reclamando sobre o quão difíceis e desafiadores eram os tempos que estávamos vivendo. Questionamentos sobre saúde mental eram recorrentes, especialmente de gente mais nova. Por outro lado, os mais velhos – ou, mais reacionários – diziam que isso era frescura, e vinham com aquela ladainha: tempos difíceis geram homens fortes, o que leva a tempos fáceis, que criam homens fracos que cagam a porra toda de novo, e cá estaríamos nós. Não há como negar que esse é um discurso sedutor, a partir do momento em que ele massageia o ego te colocando em oposição aos “frescos” das gerações mais novas.
Mas, como dizem, pessoas inteligentes mudam de opinião, ou, pelo menos reavaliam seus pensamentos diante de contextos muito fudidos. Quase dois anos de pandemia, somados a três anos de (des)governo e exemplos diários da estupidez das pessoas em geral têm feito com que concordemos com aqueles que reclamam e alegam exaustão. Mas, nossa conclusão – e principalmente, nossa reação – tem sido outra: o Brasil nos obriga ao hedonismo. A realidade cinzenta em que vivemos faz com que nós, e muito mais gente por aí, busquemos prazeres mais intensos, experiências mais marcantes. Parece – e é – um caminho lógico: se a vida está ruim, vamos compensar nos permitindo ir mais além. Mas, há sutilezas que merecem um pouco de atenção, nem que seja para fins de desabafo.
A primeira delas é que a pandemia em seu estágio atual tornou a vida cotidiana ainda mais chata. No início, havia o lockdown, mesmo que parcial; o “fica em casa” acabou sendo um bom repouso para nós, não há como negar. Contudo, com o passar do tempo as atividades foram lentamente retornando, voltamos todos ao trabalho presencial, mas ainda convivemos com restrições que nos tolhem e nos enchem o saco diariamente, especialmente no lazer. A vida tornou-se mais chata porque as obrigações que existiam antes permanecem, mas as possibilidades de diversão foram reduzidas. Sim, sabemos que há pessoas por aí vivendo normalmente, mas não conseguimos agir dessa forma – no momento em que este texto é escrito, a pandemia sai de uma tendência de queda que já vinha de algum tempo e volta a apresentar um aumento significativo no número de casos devido à uma nova variante do vírus. Adoraríamos, por exemplo, repetir a experiência que tivemos meses atrás em uma casa de swing, mas a piora no quadro epidemiológico nos impede de fazer isso (mas não de termos que sair para trabalhar todos os dias, claro). Essa sensação de desequilíbrio entre diversão e obrigações cria a necessidade de que os prazeres que restaram sejam potencializados, para compensar aqueles que somos obrigados a abdicar.
Outra coisa que passa desapercebida é que estes últimos anos têm esfregado na nossa cara a burrice das pessoas, e conviver com a estupidez alheia cansa. Prazeres maiores e mais intensos são um adicional de insalubridade merecido por se viver em sociedade neste nosso Brasil varonil. Você sai na rua, vê pessoas com a máscara no queixo; entra nas redes sociais, vê gente defendendo as opiniões mais burras e escabrosas possíveis; liga a TV, vê um país governado por incompetentes – é a boçalidade expressa em seus diferentes níveis. Não dá para conviver com isso sem pegar pesado nos poucos momentos de felicidade. O prazer a mais é uma compensação, algo que merecemos por ter que suportar a cavalgadura que é o brasileiro médio.
Em resumo: se você tem se sentido culpado por comer mais, dormir mais, beber mais, ou perder mais a linha em qualquer outra coisa que te dê prazer, relaxe. Aproveite sua endorfina, não se preocupe. A vida já te fode demais, então não se culpe por querer relaxar um pouco mais. Vá ser feliz, taque o foda-se e se entregue!
Concordo com a ideia primordial do texto, ainda que não consiga viver um hedonismo total por razões de personalidade mesmo, com ou sem pandemia. Mas venho buscando aproveitar ao máximo os maiores prazeres que tenho e os quais, felizmente, posso usufruir dentro de casa: leitura, streaming e boceta.
Belo e inteligente texto. Parabéns.
Agradecidos por seu comentário!
Nossa q incanto de mulher parabéns linda
Uma das melhores escolhas quando o navio afunda é outra rodada de Champagne. Sim, no país burro, violento e hipócrita na sua risível moral e bons costumes, o melhor é aproveitar a vida enquanto Pompéia arde. Aproveitem. Adorei a coragem, o bom texto e as escolhas. Parabéns.
Adoramos o comentário! Sobre o texto e suas motivações, é como dizemos às vezes: é melhor ser feliz do que estar certo.