ISTs: o lado esquecido da putaria

Este site tem quase três anos, mas nunca falamos sobre ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) por aqui. Isso não foi uma negligência intencional; apenas achamos desnecessário enfatizar o sexo seguro porque confiamos no bom-senso de nossos leitores e, como nunca tivemos nenhuma IST, não temos experiências pessoais que possam ser transformadas em relatos.

Mas, contudo, todavia, entretanto, por aqui costumamos não apenas nos exibir e contar nossas histórias, mas também opinar. Assim, vamos aproveitar – tardiamente, sabemos – o gancho do Dia Mundial de Luta Contra a AIDS, em 1º de dezembro, para dar alguns pitacos sobre esse assunto. Comecemos pelo básico: o uso da camisinha.

Virou lugar comum dizer que as pessoas, especialmente os jovens, não usam mais camisinha, e que isso deve-se às pessoas não verem mais a AIDS como uma “sentença de morte”. Tentamos buscar dados que confirmassem essa queda no uso de preservativos, mas encontramos apenas duas pesquisas sobre este assunto aqui no Brasil:

• Em 2022 a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), do IBGE, indicou que o uso de preservativo na última relação sexual caiu de 72,5% em 2009 para 59,0% em 2019, entre os alunos do 9º ano do ensino fundamental, residentes em capitais, que já haviam feito sexo.
• Os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019 indicam que 22,8% das pessoas acima de 18 anos usaram camisinha em todas as relações sexuais nos 12 meses anteriores à pesquisa, contra 59,0% que não utilizaram nenhuma vez. Não é possível avaliar se há ou não uma tendência de queda, porque a PNS anterior, de 2013, não continha perguntas sobre este assunto.

Claro que não resistiremos à tentação da evidência anedótica. Embora não nos recordemos de nenhuma situação de ausência de camisinha que tenha chamado nossa atenção “ao vivo”, nas casas de swing, o que vemos na internet – especialmente no x/Twitter – nos dá a impressão de que realmente o uso de preservativos está em queda livre. Alguns exemplos:

• camgirls e vendedoras de packs, notadamente de baixo IDH, com diversos conteúdos fudendo sem camisinha;
• mulheres transexuais que trabalham como acompanhantes. Já desistimos de contratar garotas por causa de vídeos mostrando a ação “no pêlo”.
• casais que vendem conteúdo e fodem “sem capa” com terceiros. Isso costuma acontecer quando o cara é cuck, ou ambos são bi.

Sobre estes últimos, já vimos casais afirmarem que fazem uso da PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), medicamentos de uso diário que permitem ao organismo estar preparado antecipadamente para enfrentar um possível contato com o HIV. O Ministério da Saúde indica o uso da PrEP em contextos específicos, como profissionais do sexo e usuários de drogas, e distribui o medicamento gratuitamente através do SUS. Achamos a distribuição gratuita, nessas circunstâncias, uma política pública de saúde válida; mas, nos parece muito errado um(a) bonito(a) usar um remédio comprado com dinheiro público para satisfazer seu tesão de receber porra quente ou ver a esposa sendo leitada pelo comedor. Cada comprimido da PrEP custa R$ 3,21 para o Governo Federal; por pessoa, a União – nós, no final das contas – gasta mais de R$ 100 por mês para bancar o fetiche dessa galera, que poderia muito bem estar comprando a PrEP em farmácias.

Divagações à parte, como isso tudo tem se refletido na incidência de AIDS no Brasil? O Boletim Epidemiológico de HIV/Aids publicado pelo Ministério da Saúde em dezembro de 2023 afirma que “a taxa de detecção de aids vem caindo no Brasil desde 2013”. A redução da taxa de detecção ao longo deste período ocorre de forma aproximadamente constante, exceto durante a pandemia, quando a “sobrecarga dos serviços de saúde durante a pandemia de covid-19” causou subnotificação dos casos. Ou seja, mesmo que o público em geral esteja utilizando menos camisinha do que antes – o que é difícil de se provar, dada a falta de pesquisas – ainda assim a taxa de detecção do HIV vem caindo. Amém!

Todos esses dados passam a impressão de que a AIDS encontra-se sob um certo controle, especialmente quando comparados com o início da epidemia nos anos 80. Contudo, o mesmo não pode ser dito das outras ISTs, como a sífilis, que tem apresentado um aumento substancial de casos nos últimos anos em todo o mundo. Honestamente, isso nos gerou uma grande dúvida: como duas doenças que são transmitidas basicamente da mesma forma – sexo – podem apresentar tendências tão distintas, com uma praticamente controlada e a outra explodindo? A política de distribuição gratuita de PrEp começou em 2017, e o aumento de casos de sífilis vem de antes disso.

Uma queda substancial no uso da camisinha explicaria o aumento nos casos de sífilis, mas também deveria causar o crescimento da incidência do HIV. Por outro lado, não dá pra colocar a queda na taxa de detecção do HIV na conta da distribuição gratuita da PrEP (e nem da PEP, Profilaxia Pós-Exposição ao HIV, que deve ser utilizada após uma suspeita de contato com o vírus) porque essas políticas públicas foram implantadas no final de 2017 e a redução nos casos vem desde o início da série, em 2012.

O fato de ambas serem ISTs não implica que AIDS e sífilis sejam transmitidos exatamente da mesma forma, e uma diferença significativa entre elas está no contágio através do sexo oral. As chances de contrair HIV chupando ou sendo chupado(a) são extremamente baixas; de acordo com este pdf do CDC americano, elas vão de baixas a nulas: “There is little to no risk”. Mas, para a sífilis, o buraco é mais embaixo: de acordo com esse outro estudo do CDC, sugere-se que a taxa de transmissão da sífilis via sexo oral é de aproximadamente 14%.

Outro ponto que chamou nossa atenção é que apps de encontro talvez estejam contribuindo para a aumento no caso de ISTs – não apenas por propiciarem mais sexo para as pessoas, mas também por fazer com que elas encontrem parceiros fora de suas redes de relacionamento usuais. Tinder, Grindr e afins certamente levaram a milhões de fodas casuais por aí, com pessoas que jamais se conheceriam de outras formas. É razoável supor que a maioria delas foi com camisinha? Pode até ser. Mas, da mesma forma, também é razoável assumir que muitas delas tiveram paus e ppks sendo chupados, sem preservativo – zero influência nas taxas de transmissão de HIV, mas, nas de sífilis e afins… Quem sabe?

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