A irrelevância, assim como a ignorância, é uma bênção. O fato de que apenas meia dúzia de gatos-pingados acessa este site, somado à nossa desimportância nas redes sociais, nos protege de eventuais encheções de saco por expor opiniões que, de outra forma, provavelmente seriam malvistas. Por exemplo, temos uma série de considerações “impopulares” sobre BDSM e afins:
- vemos o BDSM mais como uma possibilidade extra de prazer do que como um fim em si mesmo. Por exemplo, da mesma forma como todas as nossas brincadeiras com velas terminam em putaria, não concebemos a idéia de um(a) submisso(a) que não interagisse sexualmente conosco.
- shibari nada mais é do que uma punheta mental. Zero tesão em amarrações sem finalidade sexual clara.
- BDSM é legal, mas isso não significa que combina com tudo. Achamos muito bizarras algumas coisas que vemos por aí, como eventos que misturam BDSM com churrasco na laje — acreditem se quiser, isso existe aqui, no purgatório da beleza e do caos.
Apesar disso tudo, quando descobrimos que existe um clube BDSM na cidade que escolhemos para passar nossas férias, não pensamos duas vezes. Nosso costumeiro azar nos acompanhou, pois nenhum dos eventos programados para aqueles dias — “Poker Night” e “Podo Party” — encheu muito nossos olhos. Quem nos acompanha há mais tempo sabe que não somos podólatras, mas no final das contas não foi uma escolha muito difícil e decidimos comparecer à Podo Party.
O endereço do local nos foi passado por Whatsapp, algumas horas antes do evento. Era um prédio comercial pequeno, simples mas bem cuidado, acima de qualquer suspeita. Ao chegarmos, mandamos uma mensagem, como havíamos sido orientados a fazer; uma cabeça apareceu na janela do último andar, deu um “Oi” e disse que nos entregaria a chave para abrirmos o portão do edifício. Peculiarmente, desce uma bolsinha de couro amarrada numa corda fina; abrimos a bolsinha, pegamos a chave e entramos no prédio. Depois de uns quatro ou cinco lances de escada chegamos ao último pavimento. A porta — que obviamente não possuía uma placa escrita “Clube BDSM” — se abriu, e entramos.
O espaço era grande, do tamanho de um bom apartamento de dois ou três quartos. Após a recepção, que também servia como bar, havia uma pequena sala com decoração medieval, que parecia ser mais usada para fotos e como espaço de convivência do que para práticas BDSM propriamente ditas. Saindo dela, havia um pequeno corredor, que dava acesso ao banheiro, a um dark room (fechado) e a outros dois ambientes mais voltados para a ação de fato.
O primeiro deles era chamado de “sala vermelha”, um nome justificado pelo tom da débil iluminação. Não foi difícil perceber que aquele talvez fosse o coração do lugar, dada a quantidade e a diversidade do mobiliário existente. De frente para a porta, na parede oposta, havia uma pequena jaula metálica preta, própria para aprisionar uma pessoa, desde que agachada ou sentada. No meio do espaço — que tinha a maior parte do piso de madeira recoberto por um tapete monocromático — existiam dois ou três móveis de madeira envernizada cujos modos de uso não descobrimos (um deles, parecido com um cavalete, podemos até imaginar, mas o outro, nunca saberemos). Ao lado da porta, uma cadeira de madeira clara, que em conjunto com algumas amarras provavelmente deve atender muito bem à primeira letra de nossa sigla preferida — o que talvez também justifique a existência de um painel preto com diversas fileiras de pinos (prendedores?) metálicos, preso à parede logo acima da cadeira. Por fim, uma cama grande, decorada com diversas almofadas, e com uma cabeceira bem peculiar — um grande “X” fixado na parede, revestido em couro e com mosquetões dispostos ao longo. Tudo passava a impressão de solidez, de funcionalidade, bem diferente das “suítes BDSM” que vemos em motéis por aí.
O ambiente seguinte era menor e tinha paredes cinzas, embora fosse mais bem iluminado. No teto, ao centro, havia olhais dos quais pendiam grossas correntes, e era fácil imaginar alguém suspenso por elas. O único mobiliário característico parecia ser, à primeira vista, uma cama alta de solteiro; contudo, o olhar detalhado mostrava que a cabeceira desta cama era uma berlinda, e que a altura exagerada se explicava porque abaixo dela havia uma outra jaula. No canto oposto do quarto, uma janela, que associada a ventiladores fazia com que esse cômodo funcionasse como o fumódromo do clube.
Como todos os presentes estavam lá, fumando, bebendo e conversando, foi para esse espaço que fomos. Além de nós, havia quatro mulheres — nem todas eram Dommes, pelo que percebemos — e uns cinco ou seis homens. Éramos, de certa forma, os “intrusos” ali, pois todos já se conheciam. No entanto, fomos muito bem recepcionados, e gargalharam quando contamos da cena BDSM aqui na Guanabara. Conforme a conversa progredia, e víamos os papos deles, ganhava força a impressão de que, na realidade, o clube não é um empreendimento comercial puro e simples, mas sim a conquista de um grupo de amigos que desejam um espaço adequado para a realização de seus fetiches. Pelo que entendemos, os sócios possuem as chaves do local e podem acessá-lo a qualquer momento; os não-sócios só tem a entrada permitida em eventos específicos, que costumam ocorrer uma ou duas vezes por semana.
Durante o tempo em que estivemos lá presenciamos alguns homens adorando os pés das mulheres com carícias, massagens e beijos. Interessante que, para elas, aquilo era a coisa mais normal do mundo, e agiam normalmente enquanto eram seus pés eram objeto de afagos. Para eles, no entanto, era como se o mundo todo se fechasse naqueles dedos, naquelas solas, quase num estado de transe causado pelo tesão. Como, para nós, pés não estão associados a desejo — podem ser objeto de carinho, claro, numa demonstração de afeto e cuidado, mas não nos excitam sexualmente — a cena toda adquiria contornos ainda mais surpreendentes.
Infelizmente a Sra. Fetichista foi de certa forma “ignorada” pelos podólatras presentes. Não sabemos se eles ficaram inibidos pela presença do Sr. Fetichista, ou se todos já possuíam uma “dona”, mas o fato é que ninguém se ofereceu para sequer massagear os seus pés. A única interação que aconteceu foi quando ela pisou com seu salto alto na bunda de um submisso que estava sendo usado como descanso de pés, um “pufe humano”, por uma Domme.
Nossas expectativas nessa visita eram baixas, mas não nulas. Percebê-las quebradas, junto com o nosso cansaço e com um compromisso logo cedo no dia seguinte, fez com que ficássemos pouco tempo no clube, menos de uma hora e meia. Apesar da “decepção”, gostamos da experiência, e certamente repetiríamos, caso morássemos por lá. Não seríamos sócios, pois não vemos o BDSM como uma finalidade, mas certamente seríamos frequentadores do local. Por ora, só lamentamos não existir nada nem remotamente parecido aqui pelas bandas do RJ.
Olá adorei. Tbem apronto a dois. Queria bater papo com vcs.
A cena daqui deixa mesmo a desejar 🙄
Sim! Zero tesão em participar de eventos toscos. Essa viagem serviu para nos mostrar o quanto o Rio está atrás no quesito “estabelecimentos para putaria”. Fomos a uma cidade bem menor, e havia um leque de opções bem maior (e mais interessante) do que aqui.
Maravilhosos. Sexys e discretos. Parecem fogosos também.
Pingback: Uma cidade fria de noites quentes – Casal Fetichista
“Peculiarmente, desce uma bolsinha de couro amarrada numa corda fina; abrimos a bolsinha, pegamos a chave e entramos no prédio” Eu ri imaginando essa cena!